quarta-feira, 13 de julho de 2011

A verdadeira frota estelar

Atlantis em seu último lançamento
Por Fabok


Enterprise, Columbia, Challenger, Discovery, Atlantis e Endeavour. Por mais de 30 anos essa foi considerada por todos os amantes da engenharia espacial a nossa verdadeira 'frota estelar'. Por isso é com muita tristeza que acompanhamos esta semana a última missão da Atlantis. Quando do seu retorno à Terra, encerra-se uma jornada de momentos trágicos e sublimes que mudou radicalmente nossa percepção do universo.
O programa dos ônibus espaciais começou ainda no início dos anos 70, quando a NASA investiu pesado no desenvolvimento de um veículo espacial capaz de ir e voltar à órbita de nosso planeta várias vezes e com o menor custo possível. Um verdadeiro contraponto as bilionárias missões Apollo que levaram o homem à Lua cujas naves só podiam ser usadas uma única vez.
Ainda no final dos anos 70, o que seria o protótipo do ônibus espacial entra em operação, a nave Constitution, que graças a uma campanha maciça dos fãs de Jornada nas Estrelas fora rebatizado de Enterprise, com direito a participação do elenco da série clássica e seu criador Gene Roddenberry em sua cerimônia de apresentação. A Enterprise jamais fora planejada para vôos espaciais. Sua missão era a de ser uma plataforma de testes de planeio e aerodinâmica das futuras naves do programa. Afinal, do momento em que reentrassem na atmosfera, os ônibus funcionariam como planadores, sem poder contar com seus motores para manobras. As fotos da Enterprise montada em um Boeing 747 para seus testes de vôo já se tornaram antológicas.
Teste aerodinâmico do Enterprise
Em 1981 o primeiro vôo da Columbia inaugurou a era dos veículos reutilizáveis, com a promessa de tornar o espaço mais acessível e com custos baixos. As agências espaciais européia e russa anunciaram seus próprios projetos de ônibus espacial, o Hermes e o Buran respectivamente. Aos olhos dos simples mortais parecia que o espaço estava cada vez mais próximo, tão próximo quanto à famosa sequência de '2001 Uma Odisséia no Espaço' onde uma nave da Pan Am levava passageiros e não astronautas a uma estação espacial. Ledo engano...
Apesar de serem maravilhas da engenharia, os ônibus espaciais são máquinas de uma complexidade imensa e logo ficou claro que o cronograma original de viagens ao espaço de duas em duas semanas jamais poderia ser cumprido. O custo de manutenção ficou muito acima do esperado, mas a NASA ainda considerava o projeto um sucesso. Com isso, os lançamentos se sucediam com bastante freqüência e mais naves foram lançadas ao espaço. A Columbia fora seguida da Challenger, Discovery e Atlantis. O mundo parou para assistir em 3 de fevereiro de 1984 a transmissão do primeiro passeio espacial sem o uso do cordão umbilical, em uma missão da Challenger. As imagens das missões enchiam a todos de orgulho e em plena Guerra Fria faziam as naves Soyuz parecer coisa da idade da pedra.
Em 1985 a NASA fez um concurso para selecionar a primeira pessoa comum a ir ao espaço. A professora Christa McAuliffe foi a vencedora e passou a representar o sonho de milhões de que o espaço estava para se tornar acessível a todos. Infelizmente em 28 de janeiro de 1986 a Challenger explodiu durante o lançamento matando Christa e todos os tripulantes. O acidente transmitido ao vivo horrorizou milhões de expectadores por todo o mundo. O sonho de viajar ao espaço se transformara num pesadelo e deixou a frota dos ônibus espaciais no chão por quase 3 anos a fim de torná-los mais seguros.
Os ônibus voltaram a operação em 1988 com a Discovery e mais uma nave foi adicionada a frota, a Endeavour, mas sem o glamour de antes. Os europeus acabaram por abandonar o projeto do Hermes enquanto os russos lançaram o Buran também naquele ano. Mas com a queda do império soviético, o financiamento foi cortado e o Buran, que parecia uma cópia do projeto americano virou peça de museu com apenas um vôo.
Os ônibus continuaram sua missão, lançando satélites, sondas espaciais, o telescópio Hubble e foram imprescindíveis na montagem da Estação Espacial Internacional (ISS). Sem contar as inúmeras experiências realizadas em baixa gravidade que resultaram em avanços nas áreas de biologia, medicina, engenharia entre outras. As memoráveis imagens das missões de reparo do Hubble ou da construção da ISS mostram apenas uma ínfima parte do legado dessas naves.
As missões prosseguiram, mesmo com a NASA enfrentando forte resistência do congresso americano por causa dos perigos e custos de manutenção. Em primeiro de fevereiro de 2003, uma nova tragédia acontece quando a Columbia se desintegrou em plena reentrada na atmosfera matando todos seus tripulantes. Com a pressão cada vez maior do Congresso e opinião pública, a NASA iniciou estudos para substituir os ônibus espaciais.
O chamado projeto Constellation foi apresentado com toda a pompa pelo presidente Bush. A ironia era que o projeto era uma volta aos dias da Apollo e suas naves descartáveis. O projeto encontrou séria resistência por ser demasiado caro, até que o presidente Obama resolveu engavetá-lo junto com o programa dos ônibus espaciais.
Agora os americanos dependerão das antiquadas naves russas Soyuz para irem ao espaço. Sem a popularidade da época da 'corrida espacial', a NASA focará seus recursos, cada vez menores, em pesquisa, enquanto a iniciativa privada ficará a cargo de desenvolver um novo veículo que um dia será capaz de levar os americanos ao espaço.
Quando a Atlantis retornar à Terra, chega ao fim um era marcada por fracassos e sucessos. Para aqueles que quando criança como eu, imaginava que em 2011 estaríamos indo rotineiramente ao espaço, os ônibus espaciais são um lembrete de quão perto e longe estivemos da fronteira final. Ainda sim, os ônibus espaciais são prova da inventiva capacidade humana de superar o insuperável e garantiram seu lugar com honras na história da conquista do espaço.

Um comentário:

  1. Valeu Fabok, o texto realmente me emocionou. Dá até um nó na garganta durante a leitura. Quando você pensa que acompanhou esta história passo-a-passo, torcendo e comemorando as vitórias, sofrendo com as derrotas, e agora só restarão as lembranças... Excelente texto, muito bem redigido.

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