Enterprise, Columbia, Challenger, Discovery, Atlantis e Endeavour.
Por mais de 30 anos essa foi considerada por todos os amantes da
engenharia espacial a nossa verdadeira 'frota estelar'. Por isso é com
muita tristeza que acompanhamos esta semana a última missão da
Atlantis. Quando do seu retorno à Terra, encerra-se uma jornada de
momentos trágicos e sublimes que mudou radicalmente nossa percepção
do universo.
O programa dos ônibus espaciais começou ainda no início dos anos
70, quando a NASA investiu pesado no desenvolvimento de um veículo
espacial capaz de ir e voltar à órbita de nosso planeta várias
vezes e com o menor custo possível. Um verdadeiro contraponto as
bilionárias missões Apollo que levaram o homem à Lua cujas naves
só podiam ser usadas uma única vez.
Ainda no final dos anos 70, o que seria o protótipo do ônibus
espacial entra em operação, a nave Constitution, que graças a uma
campanha maciça dos fãs de Jornada nas Estrelas fora rebatizado de
Enterprise, com direito a participação do elenco da série clássica
e seu criador Gene Roddenberry em sua cerimônia de apresentação. A
Enterprise jamais fora planejada para vôos espaciais. Sua missão
era a de ser uma plataforma de testes de planeio e aerodinâmica das
futuras naves do programa. Afinal, do momento em que reentrassem na
atmosfera, os ônibus funcionariam como planadores, sem poder contar
com seus motores para manobras. As fotos da Enterprise montada em um
Boeing 747 para seus testes de vôo já se tornaram antológicas.
Teste aerodinâmico do Enterprise |
Apesar de serem maravilhas da engenharia, os ônibus espaciais são
máquinas de uma complexidade imensa e logo ficou claro que o
cronograma original de viagens ao espaço de duas em duas semanas
jamais poderia ser cumprido. O custo de manutenção ficou muito
acima do esperado, mas a NASA ainda considerava o projeto um sucesso.
Com isso, os lançamentos se sucediam com bastante freqüência e
mais naves foram lançadas ao espaço. A Columbia fora seguida da
Challenger, Discovery e Atlantis. O mundo parou para assistir em 3 de
fevereiro de 1984 a transmissão do primeiro passeio espacial sem o
uso do cordão umbilical, em uma missão da Challenger. As imagens
das missões enchiam a todos de orgulho e em plena Guerra Fria faziam
as naves Soyuz parecer coisa da idade da pedra.
Em 1985 a NASA fez um concurso para selecionar a primeira pessoa
comum a ir ao espaço. A professora Christa
McAuliffe
foi a vencedora e passou a
representar o sonho de milhões de que o espaço estava para se
tornar acessível a todos. Infelizmente em 28 de janeiro de 1986 a
Challenger explodiu durante o lançamento matando Christa e todos os
tripulantes. O acidente transmitido ao vivo horrorizou milhões de
expectadores por todo o mundo. O sonho de viajar ao espaço se
transformara num pesadelo e deixou a frota dos ônibus espaciais no
chão por quase 3 anos a fim de torná-los mais seguros.
Os ônibus voltaram a operação em 1988 com a
Discovery e mais uma nave foi adicionada a frota, a Endeavour, mas
sem o glamour de antes. Os europeus acabaram por abandonar o projeto
do Hermes enquanto os russos lançaram o Buran também naquele ano.
Mas com a queda do império soviético, o financiamento foi cortado e
o Buran, que parecia uma cópia do projeto americano virou peça de
museu com apenas um vôo.
Os ônibus continuaram sua missão, lançando
satélites, sondas espaciais, o telescópio Hubble e foram
imprescindíveis na montagem da Estação Espacial Internacional
(ISS). Sem contar as inúmeras experiências realizadas em baixa
gravidade que resultaram em avanços nas áreas de biologia,
medicina, engenharia entre outras. As memoráveis imagens das missões
de reparo do Hubble ou da construção da ISS mostram apenas uma
ínfima parte do legado dessas naves.
As missões prosseguiram, mesmo com a NASA
enfrentando forte resistência do congresso americano por causa dos perigos e
custos de manutenção. Em primeiro de fevereiro de 2003, uma nova
tragédia acontece quando a Columbia se desintegrou em plena
reentrada na atmosfera matando todos seus tripulantes. Com a pressão
cada vez maior do Congresso e opinião pública, a NASA iniciou
estudos para substituir os ônibus espaciais.
O chamado projeto Constellation foi apresentado
com toda a pompa pelo presidente Bush. A ironia era que o projeto era
uma volta aos dias da Apollo e suas naves descartáveis. O projeto
encontrou séria resistência por ser demasiado caro, até que o presidente Obama resolveu engavetá-lo junto com o programa dos
ônibus espaciais.
Agora os americanos dependerão das antiquadas
naves russas Soyuz para irem ao espaço. Sem a popularidade da época
da 'corrida espacial', a NASA focará seus recursos, cada vez menores,
em pesquisa, enquanto a iniciativa privada ficará a cargo de
desenvolver um novo veículo que um dia será capaz de levar os
americanos ao espaço.
Quando a Atlantis retornar à Terra, chega ao
fim um era marcada por fracassos e sucessos. Para aqueles que quando
criança como eu, imaginava que em 2011 estaríamos indo
rotineiramente ao espaço, os ônibus espaciais são um lembrete de
quão perto e longe estivemos da fronteira final. Ainda sim, os
ônibus espaciais são prova da inventiva capacidade humana de
superar o insuperável e garantiram seu lugar com honras na história
da conquista do espaço.
Valeu Fabok, o texto realmente me emocionou. Dá até um nó na garganta durante a leitura. Quando você pensa que acompanhou esta história passo-a-passo, torcendo e comemorando as vitórias, sofrendo com as derrotas, e agora só restarão as lembranças... Excelente texto, muito bem redigido.
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